
Lara Aufranc se desprende das amarras do passado em seu primeiro disco solo, “Passagem”
11 de setembro de 2017Antes líder da banda Lara e os Ultraleves, Lara Aufranc decidiu que era hora de se desprender das amarras do passado e se lançar ao mar para navegar mares mais ousados, com a liberdade que só seu nome permite. O álbum “Passagem” é a primeira amostra dessa nova forma de velejar da cantora, que agora “encara o próprio sobrenome”, segundo o Trabalho Sujo, deixando a introversão natural um pouco de lado e encarando o público de peito aberto.
O primeiro single, “Passagem”, fala sobre o cotidiano do paulistano e o deslocamento de pessoas e vontades. A faixa é a ligação ideal entre o álbum anterior com a banda Os Ultraleves (“Em Boa Hora”) e o novo trabalho, indo organicamente do piano e voz da MPB para os sintetizadores e guitarras do rock. O clipe foi inspirado por filmes soviéticos da década de 20 como ”Aelita, a Rainha de Marte” e “Um Homem com uma Câmera” e retrata a cidade como uma engrenagem formada por pessoas. “Existe uma solidão no movimento circular e repetitivo das cidades, ao mesmo tempo em que estamos cercados de gente”, comenta ela. O clipe foi realizado pela EdMadeira Filmes, dirigido e fotografado por Freddy Leal. A cantora assina o roteiro, a edição e a produção do projeto.
Conversei com ela sobre a nova fase da carreira e o passado com os Ultraleves, o disco “Passagem”, sua introversão e como ela influencia o trabalho e o clipe para a faixa-título:
– Como você resolveu se lançar em carreira solo?
Olha, na verdade eu já estava em carreira solo. Até na matéria do Matias ele usou essa frase, eu achei boa:
“Assume o seu sobrenome, ao invés do nome que fazia seu trabalho solo parecer uma banda”. Desde 2015 já estava claro pra mim e pros meninos que era o meu projeto de vida, a minhas músicas, o meu investimento
mas pro público continuava parecendo uma banda… Por isso resolvi mudar. Isso e o fato de que estava na hora de me aventurar pelo mundo. Eu sou mais pra introvertida. acho que no começo me sentia protegida com esse nome, dava a impressão de não estar sozinha.
– Realmente, pra mim parecia uma banda, mesmo… E como você superou essa introversão para ganhar o mundo nessa nova fase?
Foram 2 anos né? desde o primeiro disco autoral. 2 anos de shows, tive que encontrar o meu lugar no palco. Fui ficando mais forte. Foi ficando mais claro quem eu sou e o que eu quero dizer como artista. Pensando bem, eu não acho que superei uma introversão. Ser introvertido é uma característica, não é um defeito. O Ney é introvertido e tem uma puta performance de palco. Eu acho que eu fui me encontrando como artista. E que esse suporte do nome Lara e os Ultraleves deixou de ser necessário.
– Sim, acredito que o Criolo também. No palco vira outra pessoa.
Exato. Inclusive a banda continua a mesma. Já faz um tempo que são os mesmos caras.
– Agora, me conta mais sobre esse clipe que saiu agora! A estética P&B, com esse toque de azul… O que ele significa pra você?
Nossa, eu to muito feliz com esse clipe! Eu já conhecia o Freddy (diretor) de um outro programa que a gente gravou juntos, o Mulheres Fora da Caixa. Me lembro de ter visto um vídeo dele com a Sara não tem nome – que tinha só uma guitarra azul. As maiores referências estéticas do clipe são os filmes: “Aelita, a Rainha de Marte” e “Um Homem com uma Câmera” – ambos soviéticos e dos anos 20. Ou seja, os dois são PB e mudos (no youtube você assiste com música). Então de certa forma a estética PB já estava incorporada nesse clipe, depois foi a sacada da maquiagem azul.
– Porque o azul? O que ele simboliza pra vocês?
Eu já tinha usado essa maquiagem numa sessão de fotos como José de Holanda, e gostei demais do resultado. Foi justamente quando resolvi renovar a imagem e o nome. E precisava de novas fotos. Poderia ter sido de outra cor, mas o azul caiu como uma luva. Foi uma escolha estética que eu fiz antes do clipe, antes do single, foi o começo de tudo. Gostei tanto que quis incorporar essa brisa no clipe e na capa do CD. Tô a fim de usar no show de lançamento também. Mais do que o azul, pra mim foi sair de maquiagens “mulherzinha” pra um lance criativo. O meu trabalho não deveria ser sobre beleza, e no entanto tem muita pressão em cima das cantoras.
– Como você vê essa pressão por beleza que ainda rola em cima das cantoras? O machismo continua em alta no mundo da música?
O machismo tá em alta no mundo, e na música não é diferente. Por exemplo, recentemente eu gravei um programa de TV. Você chega lá e tem uma equipe que fica 2 horas brincando de boneca com a sua aparência. Eu me sinto deformada, como se não pudesse aparecer na TV com a minha própria cara. Eu acho engraçado como as pessoas acham que os artistas são sempre pessoas mais legais, esclarecidas. Quando obviamente tem artista de todo jeito, inclusive escroto e machista. Não existe um lugar onde só tem gente legal. O mundo é lugar complexo.
– Algo que não acontece com artistas do sexo masculino.
Sim! Os caras da banda passam um pózinho na cara pra não brilhar e pronto, vai pra câmera. Eu tava cansada de ter que ser diva. Eu fazia os shows de salto e hoje faço descalça. Eu acho que maquiagem pode ser um troço maravilhoso, mas não quando vira obrigação de estar num padrão. Quero poder ser eu mesma, e me sinto muito mais eu nessa flecha azul.
– Me fala um pouco mais sobre esse seu primeiro trabalho como Lara Aufranc.
O disco tá quase pronto. É bem diferente do outro, mais esquisito, ousado. Cheio de synths, guitarras… é um disco mais rock (mas também sem se prender nesse nome – afinal o que é rock hoje em dia?). Eu mesma to experimentando umas distorções na voz, coisa que eu nunca tinha feito antes. Eu gosto muito de soul e fazia sentido lançar um disco mais próximo disso em 2015. Mas hoje estou em outra fase, e as músicas refletem isso.
– O disco já tem nome? Como ele está sendo produzido?
Sim, vai se chamar Passagem. O clipe é a faixa-título. Foi gravado na YB, pela Matarca Records (selo e gravadora). Eu to curtindo muito fazer parte de um selo, ainda mais por ser um grupo relativamente pequeno, próximo. Não tem um produtor contratado. Eu fiz os arranjos e a produção do disco ao lado dos músicos, foi bem coletivo esse processo. Maravilhoso.
– Como você vê a cena independente hoje em dia?
Tem muita coisa. De todos os gêneros musicais. É uma profusão tão grande que o público as vezes fica perdido. Mas é legal que tanta gente tenha a oportunidade de gravar, coisa que teria sido impossível na época das gravadoras. De 2015 pra cá – quando eu oficialmente passei a trabalhar e viver de música – conheci muitas bandas, artistas, tem muita cosa legal rolando. É questão de procurar, ir num show sem saber qualé, tem boas surpresas por aí.
– Recomende bandas e artistas independentes que chamaram sua atenção nos últimos tempos.
Negro Leo, Letrux, Tika, Giovani Cidreira, Porcas Borboletas… Esses eu vi / ouvi recentemente!